Instituição

Primeira fase de construção: 1914-1932 

O início da construção, Julho de 1914, foi marcado pelo eclodir da Primeira Guerra Mundial, na qual Portugal esteve envolvido a partir de 1916. Este facto contribuiu para que o ritmo das obras e a qualidade da construção decaíssem. Assim,

(…) o professor, desgostoso com o que via, chegou a propor a suspensão das obras a um membro do Governo. Este pediu-lhe para ter paciência porque “apenas” se tratava da construção de um hospital para loucos. [Ao que] Júlio de Matos (…) respondeu de maneira desabrida: “Loucos, senhor ministro? Mais loucos do que os loucos são, por vezes, aqueles de quem dependemos!

Como consequência da Guerra, a partir de 1920, a verba destinada, anualmente, ao “Novo Manicómio” foi substancialmente reduzida. Contudo, os trabalhos nunca chegaram a paralisar completamente, sendo o esforço dispendido, até 1932, significativo. Encontravam–se os edifícios (…) todos construídos até ao tosco e tinham sido cobertos de telha e defendidos do tempo por portas e janelas. A rede de canalizações estava pronta e ligada aos edifícios.

Júlio de Matos faleceu, em 12 de Abril de 1922, impossibilitado de ver a sua obra concluída.

Sucedeu-lhe, na presidência da Comissão, o professor Sobral Cid.

Em 1932, o Governo, tendo como Ministro das Obras Públicas o engenheiro Duarte Pacheco, destinou ao orçamento do “Novo Manicómio” 12.000 contos.

Com esta verba, iniciou-se em 1933, a segunda fase da construção, aumentando-se a sua área para 17 hectares.

Tinham decorrido vinte anos sobre o projecto inicial de 1913.

Evolução da Psiquiatria (1913-1933): Ergoterapia – nova técnica terapêutica

Durante esse período, a Psiquiatria evoluiu. A terapêutica tornou-se intervencionista, tendo a Ergoterapia reeducativa sido alargada à quase totalidade dos doentes.

Para responder a esta nova exigência terapêutica, contou-se nos primeiros quatro anos, com a colaboração de enfermeiras e enfermeiros suíços e criou-se a primeira Escola de Enfermagem Psiquiátrica. Organizaram cursos de aprendizagem, prática e teórica, com a duração de dois anos. Além dos conhecimentos gerais de psiquiatria e do ensino das mais modernas técnicas terapêuticas, foram ministradas, semestralmente, lições de Anatomia, Fisiologia, Patologia, Higiene e Profilaxia Médica, Psicologia e Cultura Geral, Assistência Social, Higiene Mental, entre outras.

A Ergoterapia, terapêutica pelo trabalho, foi um dos objectivos mais importantes no ensino do pessoal de enfermagem.

Desta forma, algumas concepções de base do projecto encontravam-se desadequadas.

Assim, aos novos métodos tinham de corresponder instalações apropriadas.

Segunda fase de construção: 1933-1942

Com o objectivo de superar este problema, é formada a segunda Comissão Técnica, à qual já presidia, como sucessor do mentor do projecto, o Professor Sobral Cid e o vogal Leonel Gaia. Como novos elementos foram escolhidos o neurologista Almeida Dias, o arquitecto Carlos Chambers Ramos, o engenheiro Leote Tavares e, como representante da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, o coronel Ricardo Amaral.

Esta Comissão não era homogénea. Leonel Gaia, arquitecto inicial, mantinha o apego à obra que delineou. Sobral Cid idealizava uma clínica psiquiátrica proporcional às necessidades de Lisboa, apetrechada com todos os meios modernos de investigação. A sua aposta na nova Ergoterapia, levou-o a visionar, talvez para além das realidades, um manicómio donde todas as instalações de segurança fossem banidas. Defendeu a posição de afastar os doentes crónicos para uma colónia agrícola rural. Almeida Dias, pelo contrário, pretendia que as novas instalações fossem aproveitadas até à sua máxima eficiência. Tinha o apoio do arquitecto Carlos Ramos.

Devido a esta falta de homogeneidade entra também na Comissão António Flores, que tinha trabalhado durante quinze anos com Sobral Cid na Clínica de Santa Marta.

Estava encontrada a base de entendimento. Sobral Cid tomou a seu cargo a clínica psiquiátrica e os pavilhões da infância. O arquitecto Leonel Gaia faleceu, sendo as transformações e acabamentos executados por Carlos Ramos.

No período de 1933 a 1935, projectaram-se mais seis pavilhões e adjudicaram-se as obras a um só responsável.

Com este método, o ritmo empreendido nos trabalhos foi significativo. Assim, em finais de 1938, tudo o que respeitava à construção civil estava concluído.

O ministro Duarte Pacheco nomeou uma Comissão de Equipamentos para receber, em condições de segurança, os doentes mentais. A esta Comissão pertenceram o arquitecto Raul Lino e os engenheiros Jácome Castro e Raul Maças Fernandes.

Para equipar o hospital faltava só: o empedramento e a canalização dos arruamentos; a terraplanagem e a vedação de alguns logradouros de doentes; os materiais de cozinha, de lavandaria e de iluminação.

Nos anos de 1939, 40 e 41, os trabalhos foram novamente lentos, faltando, ainda, alguns logradouros, não funcionando a cozinha e a lavandaria por falta das caldeiras geradoras de vapor.

Dois acontecimentos precipitaram a abertura do “Novo Manicómio” :

1) Excesso de doentes no Hospital Miguel Bombarda

A população do Hospital Miguel Bombarda passou de 600 em 1911, para 1.055 em 1941, sem que no edifício se tivessem efectuado obras de alargamento ou melhoramento do espaço.

Perante esta situação, o Governo publicou, em meados de 1941, o decreto que deu personalidade jurídica ao Hospital Júlio de Matos, entrando em funções a Comissão Instaladora e Administrativa.

2) Cláusula testamentária de Salgado Araújo

O outro acontecimento prendeu-se com a doação de um benemérito, António Hygino Salgado d’Araújo.

Em Testamento, de 16 de Abril de 1910, este benemérito legou prédios, urbanos e rústicos. O valor destes legados foi avaliado, ao tempo, em cerca de cento e quarenta contos de réis, verba destinada à construção, na cerca de Rilhafolles, de um Pavilhão (cujo custeio foi calculado em cerca de vinte contos de réis) destinado à observação de doentes mentais, antes da sua admissão definitiva no Hospital.

O Testamento tinha, porém, uma Cláusula: o edifício deveria estar em funcionamento quatro anos após a morte da esposa, usufrutuária dos legados, o que viria a acontecer em 4 de Abril de 1938.

O crescimento urbano tornou essa construção impraticável. Assim, médicos e jurisconsultos propuseram a transferência do projecto para a área do Hospital Júlio de Matos. O Governo defendeu que o legado ficaria plenamente satisfeito desde que se desse o nome Salgado Araújo ao Pavilhão da secção masculina da clínica psiquiátrica do hospital (pavilhão 24-A). Este, pelo seu modo de instalação e funções, satisfaz inteiramente às intenções do Testamento.

Contrariamente  ao  que  se  tem  veiculado,  António Hygino Salgado d’Araújo  nunca  esteve hospitalizado no Manicómio Bombarda

Assim, foi publicado o decreto n.° 31.974, de 1 de Março de 1942, sendo o Hospital Júlio de Matos aberto à assistência pública em 2 de Abril desse ano.

Segundo o Professor Barahona Fernandes, a sua abertura foi uma autêntica revolução psiquiátrica, estabelecendo-se o open door.

Em 1949 publicou-se a monografia, Hospital Júlio de Matos : Regulamentos, na qual se incluíram todos os serviços existentes neste hospital.

Dado que as suas arquitecturas e organização constituíram um marco para a assistência psiquiátrica de uma época, a sua classificação de Património Cultural foi solicitada pelos Dr^s. Álvaro Luz e Silva, Maria Suzete Lopes, Maria Teresa Constantino e Ricardo França Jardim, em 1988.

Este hospital desempenhou um papel do maior relevo na história da medicina psiquiátrica portuguesa. Dez anos depois da sua inauguração, em 1952, houve 1238 admissões para uma lotação de 1200 camas. A psicofarmacologia moderna, nascida nesse ano com a cloropromazina e logo ensaiada no hospital, as actividades de ergoterapia e reabilitativas, num espírito de equipa terapêutica dinâmica e criativa, integradas num parque acolhedor, fizeram crescer a fama do hospital, visitado por figuras de renome mundial.

Concluídas as obras em 1946, em Março de 1947começou a funcionar o Serviço de Neuro-Cirurgia, no Pavilhão 26. Aqui se realizou, em 10 e 11 de Abril do mesmo ano, uma reunião internacional promovida pela Society of British Neurological Surgeons, sociedade fundada em 1926. (…) o desejo de melhor se informar sobre os (…) trabalhos portugueses da Angiografia e da Leucotomia Cerebral (…) levou a Sociedade Inglesa de Neurocirurgia a escolher o nosso País para a sua primeira reunião internacional após a guerra. Esta visita foi, também, como o expressou o presidente, Prof. G. Jefferson uma homenagem ao Prof. Egas Moniz, a quem se devem essas descobertas, que tanto contribuíram para auxiliar e ampliar a acção da cirurgia do Sistema Nervoso. 

No Hospital Júlio de Matos e no Serviço de Neuro-Cirurgia, realizou-se, em 1948, entre os dias 3 e 7 de agosto, por iniciativa do Prof. Walter Freeman, o primeiro Congresso Internacional de Psicocirurgia, com a presença de 200 congressistas, representando 27 países. Foi presidido pelo Prof. Egas Moniz e vice-presidentes os Professores António Flores, Barahona Fernandes e Almeida Lima. Na última sessão científica a delegação brasileira, na totalidade dos seus membros (Professores Pacheco e Silva, Paulino Longo, e Hélio Simões, Doutores Matos Pimenta, Mário Jahn, Aníbal Silveira e António Carlos Barreto) apresentou uma moção aprovada por aclamação, na qual se propõe a sugestão da candidatura do Prof. Egas Moniz ao Prémio Nobel de Medicina, o que viria a acontecer em 1949.

Foi no Pavilhão 26 que,

“o Instituto para a Alta Cultura, por despacho de 30 de Janeiro de 1950 e em homenagem ao Mestre Egas Moniz, lançou as bases para a criação de uma Instituição Científica para estudos de neurologia e psiquiatria denominada Centro de Estudos Egas Moniz, no qual, além dos estudos de neurologia e psiquiatria, se prosseguirá especialmente nas investigações no domínio da neuro-cirurgia iniciadas por aquele Professor.

A direcção do novo Centro de Estudos é constituída pelo Prof. Dr. Egas Moniz (presidente), Prof. Dr. Pedro Manuel de Almeida Lima (vice-presidente), Prof. Dr. António José Pereira Flores, Prof. Dr. Henrique João de Barahona Fernandes e Dr. Manuel de Almeida Amaral.

O funcionamento do Instituto será regulado pelo decreto n.º 37.755, de 20 de Fevereiro de 1950:

 “Artigo 1.º – O Centro de estudos Prof. Egas Moniz, criado por deliberação do Instituto para a Alta Cultura, homologada por despacho ministerial, nos termos constantes do Diário do Governo n.º 34, 2.ª Série, de 10 de Fevereiro de 1950, será instalado e funcionará no Hospital Júlio de Matos, nos edifícios ou dependências que lhe forem destinados, com aprovação do Ministro do Interior.  

• único – O Centro de Estudos poderá solicitar da direcção do Hospital os doentes e mais elementos de estudo necessários à investigação científica que lhe compete e de que o Hospital disponha.

                Artigo 2.º – Os directores dos centros de assistência psiquiátrica e dos hospitais psiquiátricos devem prestar ao Centro de Estudos a colaboração conveniente ou útil ao estudo e à investigação científica no campo da neurologia, da neuro-cirurgia e da psiquiatria”

                A Direcção reuniu-se imediatamente e elaborou o projecto do Regulamento interno do Centro de Estudos que aguarda a aprovação das entidades oficiais.”

Em 1957 foi transferido para o Hospital de Santa Maria, onde funciona até aos dias de hoje, a informação difundida pelos Anais Portugueses de Psiquiatria reza assim:

No dia 11 de Outubro inauguraram-se as novas instalações do Centro de Estudos Egas Moniz no Hospital Escolar de Santa Maria, anexo aos Serviços de Neurologia, Neuro-Cirurgia e Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Lisboa, onde ainda hoje funciona.

É dirigido pelo Prof. Almeida Lima [.] (…) fazem parte do Conselho os Profs. A. Flores Presidente, Barahona Fernandes e os Drs. Almeida Amaral e António Marques.

Constitui um núcleo de investigações das clínicas neurológica e psiquiátrica, com laboratórios de anatomo-patologia, neuro-radiologia, electroencefalografia, fisiologia do sistema nervoso, psicologia e medicina nuclear. É patrocinado pelo Instituto de Alta Cultura e subsidiado pela Fundação Calouste Gulbenkian.

A publicação da monografia La thérapeutique occupationnelle en psychiatrie, Paris : Herman & Cie Editeurs, 1954, da autoria de Barahona FERNANDES e SEABRA-DINIS viria a valorizar os serviços de terapia ocupacional deste hospital, nomeadamente no que se refere ao prestígio alcançado além-fronteiras.